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A tortura no Brasil é crime?

Quantos anos você tinha quando a tortura foi proibida no Brasil? Você já tinha nascido? A tortura no Brasil é repudiada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso III: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Contudo, foi um longo caminho até a legislação brasileira tipificar a prática como crime.

Hoje falarei um pouco desse caminho, em especial para você que, assim como eu, não vivenciou períodos em que a tortura era permitida, ainda que de forma velada, no nosso país. Conhecer a nossa história é o primeiro passo para valorizarmos o que conquistamos até aqui e nos apropriarmos do próprio direito.

Resumo histórico

A violência faz parte da história mundial, muitas vezes como forma de alcançar algum objetivo, como a conquista de um novo território, o alcance da independência de um povo/país e a busca por mais poder. A tortura – prática extremamente cruel que pode ser conceituada como o ato de aplicar dor e sofrimento –, por sua vez, também esteve presente em diferentes culturas ao longo do tempo.

Infelizmente a tortura faz parte da história do Brasil desde a época do descobrimento. Não é segredo que indígenas e africanos foram submetidos a práticas de tortura – tais como chicote, tronco, pelourinho, além da fome, sede, dentre outras situações hoje reconhecidas como desumanas. Esses métodos eram utilizados tanto como forma de controle – impondo medo, punindo e exigindo determinado comportamento – como para se obter uma confissão.  

Somente na Constituição Federal de 1824, o Brasil passou a proibir a tortura em parte da população: os bem-nascidos, ricos, considerados homens livres. No entanto, permaneceu sendo praticada contra as populações indígena e negra. 

Seguindo nossa linha temporal, durante o Estado Novo (1937-1945) a tortura também foi praticada no Brasil, considerado o período ditatorial no governo de Getúlio Vargas. Garantias hoje asseguradas ao indivíduo – tais como a liberdade de expressão e os direitos políticos e civis – eram abafados pela repressão da época, especialmente se você era objeto de alguma investigação policial, oficial ou não. Graças a censura, muitos crimes cometidos pelas próprias autoridades não eram divulgados

Durante o regime militar (1964-1985) não foi diferente. A liberdade que hoje exercemos com tanta normalidade (imprensa, política, cultural, expressão etc.) era vedada. No lugar do processo imparcial, com ampla defesa e garantia do contraditório, existia a captura, a tortura e, muitas vezes, a execução. A perseguição aos que se opunham ao governo (em especial estudantes, intelectuais e defensores da democracia em geral) foi institucionalizada por meio da criação de órgãos específicos para este fim, tais como o Destacamento de Operações de Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). 

 

 

O caso das mãos amarradas

No site da Comissão Nacional da Verdade (CNV) –  tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 – é possível acessar os laudos periciais dos casos investigados durante esse período. Destaco o caso do sargento Manoel Raimundo Soares,  conhecido popularmente como “o caso das mãos amarradas”. 

Manoel Raimundo foi preso em março/1966, em Porto Alegre/RS, por sargentos no momento à paisana. Foi levado ao quartel e depois transferido ao DOPS-RS. Em ambos os locais ele foi submetido a interrogatórios e a torturas, em regime de incomunicabilidade. Segundo relatos, Manoel Raimundo foi submetido a espancamento, choques elétricos, colocado várias vezes no pau-de-arara, dentre outros, a ponto de não conseguir engolir alimentos sólidos.

Após alguns dias, Manoel Raimundo foi transferido para o presídio improvisado na “Ilha do Presídio”, inicialmente chamada de Ilha das Pedras Brancas, lá permanecendo até agosto/1966. No dia 24/08/1966, o corpo de Manuel Raimundo foi encontrado boiando, com as mãos amarradas às costas e visíveis sinais de tortura, a ponto de dificultar a sua identificação, por moradores da Ilha das Flores, próxima a Porto Alegre/RS. 

As investigações realizadas levaram a Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluir que Manoel Raimundo Soares morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar iniciada no país em 1964. Embora a tortura tenha sido repudiada pela Constituição de 1988, a prática somente foi tipificada como crime em 1990, com a Lei nº 8.072/90 que a definiu como crime extremamente grave, não sendo permitido a anistia, o indulto e a fiança. Ainda, em 1997 foi publicada a lei nº 9.455 que conceituou o crime de tortura. Apenas em 2014 foi criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, além de investigar os crimes ocorridos entre 1946 a 1988, também realiza estudos a fim de identificar a violação dos direitos humanos no Brasil, hoje bastante presente no ambiente carcerário.

 

 

Caso você ainda possua dúvidas ou curiosidade sobre a tortura praticada no nosso país, faço o convite para que acesse o site do Arquivo Nacional, aonde encontrará registros, e o site da Comissão Nacional da Verdade, que disponibiliza o acesso aos laudos periciais realizados, os quais descrevem detalhadamente as torturas sofridas pelas pessoas identificadas.

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Matéria publicada em 28/10/2021 no site do Drops do Cotidiano.

 

Fontes:
Comissão Nacional da Verdade (CNV)
Gaúcha ZH. O caso das mãos amarradas, a ilha dos mendigos e as prisões políticas: histórias da Ilha do Presídio
Memórias da Ditadura 
Politize! A tortura no Brasil
Politize! A tortura no mundo
Politize! Artigo quinto, inciso III – TORTURA

 

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